domingo, 16 de maio de 2010

Política Externa do Governo FHC

Em estado de graça

Em viagem à Europa, FHC esbanja
intimidade com os poderosos. O
país agradece. O eleitorado aplaude

O presidente Fernando Henrique está habituado a fazer sucesso em viagens ao exterior. Na semana passada, superou-se. Seu giro de seis dias pela Europa enfileirou alguns recordes. Na Espanha, fez o discurso mais elogiado entre quinze chefes de Estado que debatiam sobre autoritarismo e democracia. Na França, foi o primeiro presidente da América Latina a ocupar a tribuna da célebre Assembléia Nacional, onde, há mais de 200 anos, se sacramentou a igualdade entre os cidadãos. Foi interrompido nove vezes por aplausos, inclusive da esquerda francesa. Entre um compromisso e outro, foi convidado pelo primeiro-ministro da Inglaterra, Tony Blair, a dar uma esticada fora do roteiro oficial e pernoitar em Chequers, a tradicional residência campestre dos governantes ingleses. Também foi a primeira vez que um presidente brasileiro recebeu tal deferência. Em Chequers, FHC bebeu uma taça de champanhe Pol Roger, a preferida de Winston Churchill, o primeiro-ministro que comandou os britânicos na II Guerra Mundial, e ficou impressionado com o tamanho da biblioteca e o domínio de Blair sobre a realidade do Afeganistão. À noite, receberam uma visita rápida de Bill Clinton, ex-presidente americano. "Só não podem espalhar que jogamos pôquer", disse Fernando Henrique Cardoso a um interlocutor, que ficou sem saber se era verdade ou piada.

Nunca um presidente brasileiro desfrutou tanta intimidade com os dirigentes mais poderosos do planeta. FHC é recebido com deferência reservada apenas a estadistas de influência mundialmente reconhecida, o que é curioso para um político brasileiro. O Brasil cresceu muito, mas ainda é visto pelo Primeiro Mundo como um país com mais potencial do que realizações maduras nos campos econômico, político e social. Fernando Henrique carrega o lastro de uma nação de destaque entre os países emergentes, mas a atenção que lhe dedicam nas grandes capitais do mundo é desproporcional ao peso brasileiro no cenário internacional. Na semana passada, comprovou-se mais uma vez a razão dessa receptividade calorosa a FHC. Seu pronunciamento na Assembléia Nacional francesa não foi mais um discurso para preencher o tempo numa ocasião de cerimônia. Criticou os países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos, pela imposição de suas regras às outras nações e pela maneira como julgam natural uma ordem mundial sem igualdade verdadeira entre os países. Atacou ao mesmo tempo o terrorismo, que vem abalando o mundo desde 11 de setembro, e a intolerância dos países mais ricos e poderosos. Defendeu a criação de um Estado palestino com a autoridade de presidente de um país que, em 1948, apoiou a constituição do Estado de Israel. Seu discurso, severo mas equilibrado, conquistou-lhe elogios numa profusão que no Brasil ele não costuma receber.

Após a turnê diplomática pela Europa, FHC estará na próxima sexta-feira nos Estados Unidos para um encontro com seu colega americano, George W. Bush. No dia seguinte, fará o discurso de abertura da assembléia das Nações Unidas, a mais importante depois dos ataques terroristas aos EUA. Essas viagens fazem bem ao ego do presidente, mas também ao país. Dão mais visibilidade às posições brasileiras e despertam confiança internacional. Se o país é governado por um presidente com o perfil milico-presepeiro do venezuelano Hugo Chávez, a desconfiança é grande. Se é governado por um acadêmico respeitável, o tratamento tende a ser outro. No ano passado, o Brasil recebeu mais de 30 bilhões de dólares do exterior. Evidentemente, o resultado não se deve aos discursos de Fernando Henrique Cardoso. "Mas que ajuda, ajuda", diz o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega.

O que faz o presidente de um país periférico desfrutar a intimidade dos grandes? Além da personalidade extrovertida de FHC, de sua cultura acadêmica e de seu gosto por rodar o mundo, existem outros fatores que facilitam a inserção do Brasil nos fóruns de discussão internacional. Na história brasileira houve oportunidades em que presidentes ou ministros gozaram de boa receptividade entre os dirigentes estrangeiros, como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. A grande diferença é que o Brasil de Getúlio estava se urbanizando, dando os primeiros passos para formar seu parque industrial, e o Brasil de JK apenas começava a olhar para o mundo. De lá para cá, o mundo se transformou, o Brasil cresceu e deixou de ser o menino espoleta da comunidade financeira internacional. "Se Fernando Henrique tivesse aparecido na década de 30, a receptividade não seria a mesma", diz o cientista político Fernando Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Ele é o homem certo, com os homens certos, na hora certa."

No Brasil, as viagens ao exterior de Fernando Henrique estão longe da unanimidade. Até há pouco tempo, a oposição dizia que FHC viajava para deixar a crise para trás. Desta vez, levou a crise junto: fez-se acompanhar dos presidentes dos partidos da base aliada para tentar alguma paz na aliança com vista à sucessão presidencial. Outra crítica comum é que o presidente fica mais socialista toda vez que entra no avião. "Para mim, ele devia governar do exterior. Ele muda totalmente", diz o deputado petista Aloizio Mercadante. O fato é que o eleitorado, de maneira geral, gosta desse tipo de viagem. O cientista político Marcos Coimbra, do Vox Populi, media por meio de pesquisas a receptividade do eleitorado às viagens do ex-presidente José Sarney. Excetuando-se a viagem a Paris, que ficou marcada como "trem da alegria", quando Sarney levou uma caravana gigantesca para uma esticada na França, os índices de aprovação ao presidente do cruzado cresciam mais de 5 pontos porcentuais depois de excursões como essa. "Bastava uma foto ao lado do Reagan", diz Coimbra. Collor também chegou a índices de aprovação impressionantes com a viagem por dez países antes de assumir o governo. Nesse quesito, o candidato com mais chances nas próximas eleições presidenciais é Ciro Gomes, do PPS. Um levantamento do Vox Populi, feito no fim de setembro, mostra que 55% dos eleitores acham que Ciro Gomes é o candidato que melhor representaria o Brasil no exterior. O ministro José Serra, da Saúde, que pleiteia a candidatura pelo PSDB, contou com a confiança de 48%. Só 37% acham que Lula faria boa figura lá fora.

"Lutemos por uma ordem mundial que reflita um contrato entre nações realmente livres, e não apenas o predomínio de uns Estados sobre outros, de uns mercados sobre outros"

"A barbárie não é somente a covardia do terrorismo, mas também a intolerância ou a imposição de políticas unilaterais em escala planetária"

"Nós nos opomos tenazmente ao discurso de que existe um choque de civilização: de um lado, o 'Ocidente' judaico-cristão; de outro, a civilização muçulmana. Heterogêneas como são as duas tradições, a barbárie e o autoritarismo infelizmente brotaram em ambas, mas também mereceram o repúdio dos segmentos mais lúcidos de cada uma delas"

"Não podemos mais suportar a carga de sofrimento, violência e intolerância que há muito impede que se chegue a uma solução justa e duradoura para o conflito entre israelenses e palestinos. Assim como apoiou em 1948 a criação do Estado de Israel, o Brasil hoje reclama passos concretos para a constituição de um Estado palestino democrático, coeso e economicamente viável"

Fonte: http://veja.abril.com.br/071101/p_054.html





O tucano voa mais longe

31 de janeiro de 1996

Com a visita à Índia, Fernando Henrique bate recorde de viagens - e isso é bom

Depois de passar o cargo para o vice Marco Maciel, na Base Aérea de Brasília, na segunda-feira da semana passada, o presidente Fernando Henrique Cardoso embarcou num Boeing da FAB e decolou rumo à Índia, com escalas na Espanha, na ida, e na Itália, na volta. Em se tratando de FHC, a passagem de cargo já virou rotina. Afinal, a Índia é o destino da 15ª viagem internacional que o presidente faz em treze meses de governo um recorde absoluto (veja quadro). Comparado com seus antecessores civis, só Fernando Collor se aproximou da marca, com onze viagens realizadas em igual período. Nem bem volta da Índia, FHC tem três viagens confirmadas. Embarca para o México em fevereiro, segue para o Japão em março e vai para a Argentina em abril. A lista só não é maior porque o Itamaraty, que já prepara uma viagem para a França, está empurrando com a barriga convites para visitar a Hungria, a Romênia, a Guatemala e outros cinqüenta países. Ao voltar da Índia, Fernando Henrique Cardoso terá ficado 58 dias fora do país, numa média de um dia no exterior a cada semana de batente no Palácio do Planalto.

Como é ele quem viaja, Fernando Henrique resolveu entrar na discussão sobre seu calendário de viagens e redigiu um artigo publicado no Jornal do Brasil três dias antes de seu embarque à Índia. “Erra quem associa as viagens ao exterior a qualquer forma de prejuízo ao encaminhamento dos desafios que o Brasil enfrenta internamente. Ao contrário, uma maior projeção externa do país é parte da solução de nossos problemas, num momento em que a globalização da economia internacional é uma realidade irrefutável e irreversível. Alguns auxiliares do presidente costumam justificar o atletismo diplomático do chefe em função de uma reivindicação o Brasil estaria interessado em sentar-se ao lado das grandes potências com uma permanente no Conselho de Segurança da ONU, o órgão máximo da organização. Conversa.

LUGARES SEGUROS A idéia de conseguir esse posto nasceu no Itamaraty e ganhou curso durante o governo de Itamar Franco, mas não é uma prioridade do próprio Fernando Henrique. Na realidade, FHC viaja mais do que seus antecessores porque tem um boa folha de serviços a mostrar. O Brasil está com a economia estável e não enfrenta dissabores que incomodavam presidentes anteriores, como denúncias de tortura, sob o regime de 64, ou pressão de ecologistas, mais tarde. Além disso, existe um enorme espaço para intercâmbio entre o Brasil e os países que FHC visita e essa é a razão que está por trás dessa maratona em volta do mundo. O governo brasileiro está interessadíssimo em trazer investimentos estrangeiros para cá, e os investidores internacionais, por seu lado, também estão interessadíssimos em conhecer de perto a realidade do país e a segurança que podem ter para a abertura de negócios. O argentino Carlos Menem, que se encontra na mesma situação, também viaja muito. Sua marca é de dezesseis visitas internacionais uma a mais que Fernando Henrique.

O capital internacional está ávido por lugares seguros onde investir, diz Ronaldo Sardenberg, da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Quando esteve nos Estados Unidos, Fernando Henrique falou na rede de TV CNN. Antes de ir à Alemanha, o Brasil mereceu extensas reportagens feitas pela imprensa local. Na visita à China, levou um grupo de doze empresários e prestigiou uma feira de produtos brasileiros. A um seminário sobre Brasil, previsto para receber 800 pessoas, compareceram 1 200. Se Fernando Henrique mandasse um ministro em seu lugar, por mais preparado que fosse, não haveria o mesmo interesse da platéia.

GANHO E PREJUÍZO- Algumas viagens presidenciais são, naturalmente, mais importantes do que outras. É o caso do Japão ou da Alemanha. O Japão, onde FHC estará em março, comprou 3 bilhões de dólares do Brasil no ano passado, 20% a mais do que havia comprado em 1994, e o dobro da vizinha China. Como o governo daquele país, famoso pela linha dura de seu sistema financeiro, tem acenado com a possibilidade de abrir linhas de crédito para o Brasil, a viagem a Tóquio é vista, em Brasília, como a mais importante do ano quem sabe, de todo o governo. Quando esteve na Alemanha, no final do ano passado, o presidente estava prestigiando seu maior parceiro comercial na Europa, com 1 200 empresas investindo no Brasil. Enquanto as vendas brasileiras para os Estados Unidos caíram 1,5% entre 1994 e 1995, para a Alemanha elas cresceram 5,3%. Outras viagens são apenas simbólicas, e também existem aquelas que são feitas por uma questão de boas maneiras. O prejuízo diplomático de recusar o convite é maior do que qualquer ganho possível que o país possa obter ao aceitá-lo.

Fernando Henrique não embarcou para a Índia porque tivesse uma agenda muito clara para tratar com o governo daquele país. A finalidade maior era desfazer uma longa má impressão. Quando o presidente de um país visita outro, as diplomacias logo acertam que, em breve, haverá uma retribuição. No caso do Brasil e da Índia, a visita de um presidente brasileiro estava prometida há um quarto de século, desde 1968, quando a primeira-ministra Indira Gandhi esteve no Brasil, sendo então recebida pelo presidente Costa e Silva. Quando ocupava o Planalto, José Sarney chegou a programar uma visita à Índia, que acabou cancelada. Itamar Franco marcou a mesma viagem, mas também não foi. Acabou sobrando para Fernando Henrique apagar o vexame antigo. Ele embarcou para a Índia com um único compromisso inicial participar das comemorações do Dia da República como convidado de honra.

Para evitar que a viagem fosse só isso, o Ministério das Relações Exteriores tentou montar uma agenda repleta e deu-se mal, tanto que a visita acabou marcada por desencontros protocolares que fizeram o presidente passar por alguns constrangimentos. Na quinta-feira, FHC foi submetido a uma jornada infernal. Em Bombaim, tinha encontro com um chefe de governo local, Manohar Gajanan Joshi. O presidente acabou tomando um bolo porque Gajanan Joshi teve de fazer uma viagem inesperada e não conseguiu voltar a tempo os dois acabaram tendo uma conversa rápida mais tarde, quando se cruzaram no aeroporto. Pouco antes, FHC passou pela casa de outro líder político local, P.C. Alexander. Na porta da casa, havia centenas de policiais e uma banda. A assessoria do presidente brasileiro chegou a pensar que era uma homenagem ao visitante, mas a banda estava ali para uma formatura de oficiais que a visita de FHC acabou atrasando.

Os desencontros na agenda foram provocados por uma afoiteza do Itamaraty, que tentou enfeitar a viagem mais do que poderia, e também em função da situação política local. Com três ministros demitidos de seus cargos sob acusação de corrupção, o governo da Índia está numa situação delicada. É obrigado a receber dignitários estrangeiros enquanto tenta evitar o desgaste político. Foi esse o argumento usado pelo primeiro-ministro indiano, Narashima Rao, para adiar duas vezes seu encontro com Fernando Henrique, na semana passada. Na quinta-feira, por fim, Rao concordou em receber FHC no sábado, mas mandou avisar à embaixada que não poderia demorar muito e, por essa razão, o presidente brasileiro decidiu embarcar de volta para o Brasil mais cedo.

Fonte: http://veja.abril.com.br/especiais/anos-fhc/tucano-voa-longe-64106.shtml

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